De entre afins, amizades e amores,
Uma ausência ensombrece o meu olhar,
De brilho extinto pelo desencarnar
D´alva rosa, e torna cinzas as cores.
Ah! Saudosa claridade pura,
Virgem e incorrupta beleza
Da breve e fugidia ventura!
És agora apenas incerteza...
A paz, antes perdida na paixão,
Na carência, no frustrado desejo,
Ei-la serena, em doce festejo,
Que voltava na nobre emoção
Do reencontro da Alma amiga,
Nesses segundos de eternidade
Em que banida toda a maldade,
Revivia o Éden da era antiga.
Abençoada e farta fonte pura
Em deserto de afectos humanos,
Breve felicidade e findos planos,
Ilusório... Nada aqui perdura!
Eis a lição que sem piedade varreu
A alegria que o sorriso duma flor,
D´infinito e soberano valor,
Tão breve, na vida m´ofereceu...
Nestes dias frios, solitários,
À beira do tentador abismo
Dos quebrados ideais humanos,
Recordo o canto do teu riso,
A tua generosidade paciente,
Celebrando em fraterno viver
A dádiva do eterno nascente,
Que dessedenta quem lá for beber,
Da justiça e do amor divinos,
Não a humana, que sempre cobra
E exige, em desleais cálculos,
Apenas doando o que lhe sobra.
Saíste da estrada da vida,
Por até aos trinta não esperar,
Apressando a dor da despedida,
E este meu canto, de tardio despertar.
Poderia ter sido diferente o guião
De nossas vidas, tivesse eu despertado,
Agradecendo a eterna bênção
Do nosso reencontro predestinado?
Palavras, sentimentos ainda teimam,
Persistem viver na tua ausência!
Tantos que calei, agora me queimam,
Libertam ideais da sonolência!
Se desta vida já te despediste,
Qual delírio, ou loucura minha,
Me segreda que tão perto persiste
Por mim o carinho teu, Carlinha?
Do teu amor pressinto a chegada
(Saudade é elo de difícil quebrar…),
Abrindo dos Céus a porta pesada
(Quem te deu a chave?), me vens visitar.
É, ignorada, mas puro sentir,
Inesperada, mas desejada,
A tua presença a me transmitir,
Fé, ânimo, vontade renovada!
Reenviou-te o Senhor do Universo,
Meu Anjo afim, em alma de mulher,
A visitar meu mundo submerso
Na amnésia do humano éter,
Estrela, Anjo, Guia a me resgatar,
Um exilado, Peregrino do crer,
Com saudades do seu longínquo lar,
Desse mundo que outrora me viu nascer,
Da pátria em que regressaste só,
Descurando a mágoa que fosse ter,
A solidão onde mergulha sem dó,
O naufrago que teimo ainda ser.
Sorris perante minha rebeldia,
Ouvindo-me a desafiar a má sorte,
Uma taça d´infinita alegria
Num brinde à estúpida, falsa morte!
Tu sabes bem que a fé sempre renasce
Dessa mortalha que é descrença vã,
E para passar na terrena praxe
Preciso é coragem forte e sã,
E por isso voltaste junto de mim,
Até que eu perceba o segredo
Do renascer do anjo, esse fim
Glorioso do humano degredo.
O Reino dos Céus, só por violência
É conquistado? Eis grande mistério!
Como diz Jesus tão estranha sapiência,
Se o amor é o supremo império?
Ora, David, deixa me explicar:
Não basta ser bom, se podes ser perfeito,
Se para isso ao mundo foste voltar,
Precisas é limar o tal defeito
Que te impede ainda de voar…
Eis a tua hora, ainda que doa,
De enfrentar esse violento libertar!
Esse é o único caminho que soa,
Estreito, de espinhos e pedras,
Mas te reveste da túnica nupcial,
Perispírito puro! Tu medras
Quando não foges dessa dor crucial
Que é, enfim, renunciar à ilusão,
Da matéria quebrar o hábito!
Tens é certo que tomar a decisão
De te enfrentares a ti próprio,
Essa é do mestre a sapiência,
Do progredir o feliz mérito:
O Reino dos Céus, só por violência
É conquistado, não é mistério…
E eu estarei sempre ao teu lado,
Porque afins, amizades e amores,
Nenhum há que seja separado,
Em tais emoções de esplendores.
(DV)
Escrevi este poema em tempo para ti, minha querida amiga de cuja companhia alegre fui privado cedo demais... Ou talvez não, a vida é sábia e sabe o que nos convém... Hoje fazias 32 anos, e em jeito de parabens, e porque bem sabes que nao te esqueço onde quer que estejas agora, aqui fica o poema. Voltaremos a nos encontrar, eu sei :)
Um beijinho grande com muita amizade.
D.