19 março 2007

Canção do Bhául


Teus caminhos, senhor,
teus caminhos de amor,
perdidos,
oculta-os a Mesquita,
a cobiça infinita
da Igreja,
do Pagode...
Aos meus ouvidos
vibrou, há muito já, o Teu apelo,
e a minha alma deseja,
mas não pode,
recolhê-lo...
No início das Idades,
a Natureza
aceitou e guardou teu mandamento
no coração.
Só o homem enjeitou o inestimável dote
só ele lhe negou a alma p´ra retiro,
e cometeu-o ao papiro,
ao livro, ao sacerdote!...

E Tu ainda lhe bates com frequência
à porta da consciência.
Tu mandas-lhes profetas, avatares,
com tuas mensagens salutares,
num grandioso exemplo
de paciência!
Mas eles, em resposta,
encerram-Te num templo!
Sob as grandes arcadas
Te procuro,
nas catedrais:
claustros silenciosos,
naves abobadadas
e colossais,
da alva Mesquita ao hipogeu escuro,
percorrem tudo, aos rastos, meus joelhos
pressurosos.

Mil vezes invoquei Teu nome puro!
Mil vezes Te chamei «Senhor, Senhor»!
Mas sempre em vão!
Folhas dos Vedas, citas dos Evangelhos,
versículos da Biblia e do Corão
foi o que vi,
mas nada disso mata a sede ardente
da minha alma por ti!

O Mundo é o melhor Veda,
Biblia maior que a Biblia é a criação.
O brâmane segreda
as mantras mansamente,
mas o Livro da Vida está aberto por Tua mão:
deste-o Tu a ler a toda a gente...

P´ra que irmos a Meca ou Benares?
Acaso quando estás num santuário,
é por faltares
no Universo inteiro
aos outros meus irmãos?
Acaso as proporções dum relicário
podem conter a Tua astral grandeza?
P´ra quê erguer-Te templos, se o primeiro,
se o mais extraordinário,
é o templo, sem par, da Natureza,
uma obra das Tuas mãos?

Nesse Templo admirável,
milhões
volvem para Ti seus tristes corações...
O espectro execrável
do Ulama ou do Guru
escava abismos mil, mil divisões
entre os irmãos.

Mas eles, grade a grade,entre as prisões,
dão-se as mãos:
o seu ideal és Tu!
Atende, pois, Senhor, o seu suspiro.
Transforma este retiro
desolador
num reino de Alegria
e de Amor!
Que, no livro da História,
as Tuas graças,
chovendo qual dilúvio varredor,
apaguem para sempre a divisória
das seitas, das nações, línguas e raças!

Que se sinta embalada a Humanidade
suavemente,
no rítmo astral da eterna sinfonia
da Tua glória.
Nesse dia,
em porvindouras eras
verás, por fim, o Prometeu rebelde
acompanhando, humilde, reverente,

Tua batuta mestra,
na Orquestra
das Esferas!

(Adeodato Barreto - 1932)
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Bhául, termo sânscrito, significa o «excêntrico», aquele que não se conforma aos usos sociais.
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Este é um poema de um autor pouco conhecido, mas que dedicou sua vida, em Portugal, aos mais desfavorecidos, à semelhança de Bento Jesus Caraça, embora tendo ficado ele pouco conhecido... Mas já que está na moda falar dos "grandes portugueses", aqui deixo a minha homenagem a uma grande alma que por este nosso Portugal passou.
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De nada nos vale ir deixar nossas preces em Templos se o nosso coração, o único Templo onde Deus quer lhe façamos um lugar, ainda está fechado para nossos semelhantes...
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"P´ra quê erguer-Te templos,
Se o primeiro,
Se o mais extraordinário,
É o templo, sem par,
Da Natureza,
Uma obra das Tuas mãos?"

2 Comments:

Blogger Lia said...

Não precisamos de ir a grandes templos para deixar-lhe as nossas preces...basta abrir o coração e acredita são poucas as pessoas que o conseguem...!! talvez pq lhes falte a coragem ou simplesmente não sejam capazes de...
*beijinho*

19 março, 2007 16:00  
Anonymous Anónimo said...

Bem, desconhecia este autor e como venho sempre aqui para aprender algo de novo, parece que saio hoje daqui mais culta!:)
Sim, na verdade não são precisos templos, basta usarmos o coração e agradecer por tudo o que temos á nossa volta!!
Beijinhos

19 março, 2007 19:49  

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