02 fevereiro 2007

Terror de te amar


Cada vez que penso no momento em que, voltando-se Orfeu, Eurydice é de novo afastada dele para o submundo, pergunto-me: o que está nas entrelinhas? E vem me sempre à mente a mesma ideia: não foi "castigo" da impaciência de Orfeu, porque ai sim, seria também castigar Eurydice, que não teve culpa dessa ansiedade e desobediência às regras impostas como condição por Hades e Persefone. Então? Então, lembrei-me do "Retrato de Dorian Grey", em que Oscar Wilde tão bem alegorizou o que ainda de imperfeições nos vai na alma e que nos cumpre melhorar neste mundo, e para isso a finalidade da reencarnação.

A amnesia momentânea, enquanto estamos neste mundo de aparências e ilusões, é um bem. Termos a mão de quem nos ama para nos guiar, confiando em nós, amando-nos, é um bem maior. Uma benção que nos incentiva a progredir.

Parece-me que Orfeu perdeu Eurydice porque esta sofreu com o olhar dele naquele momento. No mundo dos mortos, no mundo espiritual, revelamo-nos tais como somos, com as qualidades e imperfeições que ainda temos e somos.

Eurydice desapareceu, sim. Ou porque receou que vendo-a como é, o "ser" revelado sob o "parecer", o amor de Orfeu morresse por ela. Ou porque Orfeu naquele momento não viu a sua amada tal qual estava habituado a vê-la neste mundo, e Eurydice sofreu de não sentir o amor dele por ela naquele momento. A sintonia vibratória é o que em cada segundo nos coloca no céu ou no inferno, na felicidade ou na tristeza.

Orfeu perdeu momentâneamente tudo. Num breve segundo. Mas continuou a amar Eurydice, apesar de esta não o saber, até que ambos de novo foram reunidos no mundo espiritual.

As circunstâncias da nossa caminhada neste mundo nunca são as que desejariamos: faceis e serenas. Antes são as que a sabedoria da vida coloca em nosso auxilio, para nos impelir a progredir moral e intelectualmente. Amor e Conhecimento são as duas asas dos anjos, são os dois necessários alicerces da sabedoria, sendo esta mais que mera inteligência.

O amor é eterno ou não é. Ainda acordo de manhã com o meu primeiro pensamento por quem amo. Tão perto e tão longe. Ainda me custa renunciar a não tê-la ao meu lado para abraça-la. De nada vale nos afastarmos, porque a dor da saudade vem connosco. E nunca ficamos a ganhar na revolta do tudo ou nada. Porque não há maneira de desligar ou moldar o coração. Ainda tenho que me esforçar para aprender a renuncia e cumprir o prometido...

Temos que apenas confiar no coração e deixar de o temer, de temer expressa-lo, seja por actos ou por palavras. Quando foi a última vez que dissemos com sinceridade "eu te amo"? Dissemo-lo vezes sufcientes? Acompanhamos as palavras com gestos de cuidado, atenção e carinho? Por mais que amemos e nosso amor seja grande, sabemos fazer sentir a alguém que nos é especial o quanto é amada, amado?

Terror de te amar

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.

(Sophia de Mello Breyner Andressen, Coral)
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3 Doors Down - Landing In London (All I Think About Is You)