30 janeiro 2007

Euridyce

Orfeu partiu pela trilha íngreme que levava para fora do escuro reino da morte, tocando sua harpa e sua voz num cântico de alegria, enquanto caminhavam, guiando a sombra de Euridyce de volta à vida. Ele não olhou nenhuma vez para trás, até atingir a luz do sol. Mas ai chegado, então se virou, para se certificar de que Euridyce o estava seguindo. Por um momento ele a viu, perto da saída do túnel escuro, perto da vida outra vez. Mas enquanto ele olhava, ela se tornou de novo um fino fantasma, e Orfeu ouviu seu grito de amor e pena, não mais do que um suspiro na brisa que saía do Mundo dos Mortos. Ele a perdera de novo.

Melancólico, Orfeu recusou-se a olhar para qualquer outra mulher, não querendo esquecer a perda de sua amada. Furiosas por serem desprezadas, um grupo de mulheres selvagens chamadas Mênades, mataram-no e, despedaçando-o, jogaram sua cabeça cortada no Rio Hebrus, onde ela flutuou, ainda cantando, "Euridyce! Euridyce!"

Chorando, as nove musas reuniram seus pedaços e os enterraram no Monte Olimpo. Dizem que, desde então, os rouxinóis das proximidades cantaram mais docemente do que os outros. Pois a alma de Orfeu, na morte, se ter unido a sua amada Euridyce.

Quanto às Mênades, que tão cruelmente mataram Orfeu, os deuses não lhes concederam a misericórdia da morte. Quando elas bateram os pés na terra, em triunfo, sentiram seus dedos se espicharem e entrarem no solo. Quanto mais tentavam tirá-los, mais profundamente eles se enraizavam. Suas pernas se tornaram madeira pesada, e também seus corpos, até que elas se transformaram em silenciosos carvalhos. E assim permaneceram pelos anos, batidas pelos ventos furiosos que antes se emocionavam ao som da lira de Orfeu, até que por fim seus troncos mortos e vazios caíram ao chão.